RELAÇÕES
INTERPESSOAIS NO TRABALHO
O
objetivo deste pequeno texto é apresentar pontos chaves para a compreensão dos
componentes constitutivos das relações interpessoais no trabalho. O texto que
segue, pretende discutir o tema proposto acima, abordando basicamente os
seguintes pontos:
a)
Um breve histórico do conceito de trabalho;
b)
Apresentar o trabalho como ação social e
poiesis
c)
Perceber a importância da ética nas relações
de trabalho
d)
Indicar os quatros tipos básicos de ser
relacional
e)
Postular a importância do autoconhecimento
f)
Reflexão sobre: vida cotidiana e a marca da
distração
Sabe-se que o conceito de trabalho durante boa parte da
história teve sempre a conotação de fardo
e castigo. Isso quer dizer que por
muito tempo o trabalho foi visto como atividade vinculada a um grupo de pessoas
que deveriam sofrer ou pagar duras penas através do trabalho. Trabalho é coisa
de gente que deveria ser castigada não por que fez alguma coisa, mas por
pertencer a certa classe deveria suportar os tormentos do trabalho. Daí teve-se
a nomenclatura do trabalho escravo, por exemplo, assim como a denominação de
servo ou servidão.
Se voltarmos à formação da cultura ocidental, por exemplo, marcada
principalmente pela constituição greco-romana, teremos o trabalho deixado nas
mãos das pessoas das camadas mais baixas destas sociedades. O Escravo (assim
como mulheres e crianças) estava sempre marginalizado e por muitas vezes não
era contado como pessoa dentro da polis.
Pode-se ver que grandes filósofos, como é caso de Platão, desprezavam o
trabalho manual, por exemplo. Ele mesmo chega (em Sua obra A República) fazer
uma divisão das ocupações para a organização das cidades estados em que
classifica em primeiro lugar os de alma racional (ouro) e que deveriam ocupar cargos
políticos (mandar); em seguida os de alma irascível (prata) seriam os guardiões
da cidade (zelar) e por último os de alma apetitiva (bronze) sobraria o
sustento da cidade através do árduo trabalho (obedeciam).
Se
adentrarmos à formação da cultura da Idade Média, não teremos muitos avanços no
que diz respeito a valorização do trabalho e daquele que trabalha. Seguindo a
mesma ordem piramidal o escravo grego, tornou-se agora servo que trabalha
exaustivamente para seu senhor. O Senhor detém 95% das riquezas e os outros 5%
o servo usaria como quisesse. Não se pode esquecer que mesmo a Igreja que é
integrante dessa pirâmide também ficaria com uma parcela da produção provinda
do duro trabalho servil. A lógica da religião judaico-cristã sobre o trabalho
advém exatamente da noção de trabalho como castigo. Pode-se conferir já no
livro do Gênesis o castigo divino à mulher por ter desobedecido à ordem, qual
seja: “sentirás as dores de parto”.
Para o homem, no entanto seu castigo foi nada mais nada menos que: “com o suor de seu trabalho ganhará o seu
sustento.”
As
sociedades foram se transformando na corrente do tempo e com elas também as
relações de trabalho foram ganhando novos traços. Talvez com Karl Marx (1818 –
1883), tivemos a maior crítica sobre as relações de trabalho da história. Marx
escreveu centenas de páginas principalmente sobre meios de produção, força de
trabalho e relação patrão – empregado. Mas apesar de todos seus esforços já
havia acontecido a grande colonização mundial realizada por países europeus e
que a marca do trabalho como escravidão e servidão já havia se espalhado por
muitos lugares de todo o mundo como é caso do Brasil que ficou marcado na
história por ser um país construído a custa de trabalho escravo.
Mas
nosso objetivo não é o aprofundamento sobre o tema relações de trabalho, mas sim a de apresentar o trabalho com uma ação social. Isto é, o trabalho tem uma
marca inegável que é a de ser uma atividade extremamente relacional. Mesmo
aquele se diz autônomo, vai prestar serviço a outro e assim participa sempre da
malha social do trabalho. Sendo assim, se o trabalho é uma ação social, a
grande questão é como deve ser o relacionamento dos agentes dentro desse
processo complexo que é o relacionamento interpessoal. Nesse sentido, pode-se
até escolher que tipo de trabalho você irá realizar, mas o que foge totalmente
de sua escolha é o grupo de pessoas que vão partilhar a mesma ação: trabalhar.
É
importante perceber que o trabalho apesar de ser uma ação social, envolve também
interesses individuais. Ação social diz respeito à missão que tal instituição
de trabalho vai tomar para si. Nesse sentido todos os trabalhadores daquela
instituição vão agir de acordo com critérios pré-estabelecidos por seus
gestores. Por outro lado, ao trabalhar o profissional está buscando seu
sustento, sua qualidade de vida, sua realização pessoal (sua poiesis). Como então conseguir nivelar
esses dois lados da convivência no trabalho? Como buscar o equilíbrio entre
poiesis e produção conjunta?
Uma
primeira resposta para essas perguntas seria perceber que humanos vivem e se
relacionam através de princípios pré-estabelecidos em seus nichos de vivências
o que chamamos aqui de ética. Portanto, cada grupo combina entre si como devem
viver, ou seja, que tipo de conduta os integrantes vão assumir. A palavra ética
tem origem no vocábulo ethos que
significa exatamente morada, com
costumes assumidos naturalmente dentro da con (vivência) para o bom
desenvolvimento das relações interpessoais ali praticadas. Um, dentre infinitos
princípios éticos, por exemplo, é: ‘o que
não é meu, não é meu. ’ Esse é um princípio válido para todos e todos devem
apreendê-lo e vivenciá-lo. Do contrário, isto é, se este for apreendido
enquanto reflexão puramente teórica e não for colocado em prática, falta neste
caso a moral. Portanto, a ética é sempre coletiva, pois pela pré-reflexão todos
aprendem os seus princípios, mas a moral é individual e se evidencia quando
pela decisão/escolha pratico ou não os princípios. A pessoa imoral, portanto, é
aquela que nem reflete eticamente, muito menos respeita os costumes, regras ou
normas que regem a vivência de cada ethos.
Tudo
isso significa que o local de trabalho é um pequeno ethos, uma pequena morada e
se, neste caso, os participantes desse pequeno ethos soubessem dos princípios
que regem tais vivências e os praticassem tudo estaria resolvido. Isso seria o
ideal! Mas na prática cada pessoa se apresenta no pequeno ethos com toda uma
carga individual, pessoal, isto é, marcas exclusivas que determinam aquilo que
ela é enquanto um eu particular. Co-pertencer a um grupo significa um acerto
moderado entre eu e o nós. É interessante dizer que na maioria das vezes não se
presta atenção nessa relação EU-NÓS, mas isso não se acentua como negatividade,
pois como na etimologia da palavra nós, pelo menos na derivação latino-espanhola
sempre escrevemos nosotros, indicando
assim que há uma relação de familiaridade nesse tipo de relação. O que não
deveria acontecer? É uma publicização
do eu, isto é, um eu perdido, desaparecido dentro do nós, tornando-se apenas um quem. Falando de maneira mais clara, há
um sufocamento do eu individual de
cada um em detrimento do nós.
Então
é hora de se perguntar: que forças os grupo exerce sobre o eu? De que maneira
influencio o grupo? Em resposta a essas questões pode-se dizer que há
basicamente, no que diz respeito ao ser relacional, quatro tipos de reação no
momento em que se estabelece con (vivência): A apatia, a antipatia, a simpatia
e a empatia. Sabe-se que a palavra pathos (vocábulo grego) significa
paixão e paixão nesse caso entendido com força vital que impulsiona todos à
ação.
Se
tomarmos a a-patia, tendo o a como negação, pode-se dizer que o apático é aquele desprovido de paixão,
isto é, sem força vital e portanto, indiferente ao processo relacional. Já no
caso da anti-patia a palavra se
explica etimologicamente por si própria, pois todo o prefixo anti significa contrário a. Neste caso, mesmo tendo o pathos,
este é usado sempre de forma negativa dentro do processo de convivência. O
antipático neste caso reflete mau humor, aspereza e assim cria uma barreira
intransponível nas vivências. Já no que diz respeito à sim-patia, esta parece ser uma característica positiva, pois o
prefixo sin significa sempre
consonância grupal, pois deste prefixo surge as palavras (sintonia, sinfonia, sincronia etc.). Isso significa que a
simpatia em sua devida moderação poderia ser um aspecto positivo para as
relações interpessoais. Mas ela torna-se superficial se tomarmos outro tipo de
ser relacional qual seja a empatia.
Empatia, ao contrário de simpatia, é sempre um forte compromisso com o outro.
Empatia não significa invadir o espaço do outro, mas sim, inteligentemente
compadecer junto aos problemas do outro. Empatia é se colocar junto do outro e
tentar entender o que o outro está sentindo, mesmo que de primeira mão não
resolva seus problemas.
Assim,
tomados esses quatro conceitos básicos, tendemos sempre a julgar o outro, isto
é, tendemos ao enquadramento das pessoas do nosso grupo em um desses estados de
relação. O que na maioria das vezes não acontece é um autojulgamento, ou seja, não
fazermos a pergunta: como eu sou frente ao grupo? Isso acontece, já
explicitamos acima, devido ao nosso caráter de seres públicos, isto é, quando estamos ‘dentro’ do grupo perdemos por
vezes nossa ipseidade. Neste caso é
hora de resgatar aquilo que chamamos aqui de autoconhecimento. Autoconhecimento aqui não é tomado na simples
apreensão de quem eu sou para depois a apreensão do outro, pois, como já
dissemos, quando eu sou já sou-no-mundo; já sou-com-os-outros e isso se dá em
simultaneidade. Autoconhecer-se é saber, na prática, se minha constituição
fundamental como ‘ser’ relacional
está sendo assertiva ou não.
Mas
quais fatores são relevantes nesse processo de autoconhecer-se? Como devo
proceder em relação ao meu autoconstruir-se? Pode-se dizer que esse processo é
contínuo e interminável, pois o caráter de crescimento humano deve ser algo
perene em sua/minha existência. Neste caso vale a premissa: enquanto existo me
construo, enquanto me construo existo. Em primeira instância devemos percorrer
os seguintes aspectos: a) deve-se saber que devo estar em constante mudança. A
vida é marcada pelo dinamismo, pelo movimento, pelo fluir. Não existe mais nada
fatal para o processo vital do que o engessamento das estruturas constitutivas
do eu; b) deve-se saber que uma das virtudes mais preponderantes nesse processo
é coragem. A coragem não é ausência de
medo, mas sim o enfrentamento deste. Pode-se dizer também que através da
coragem, sabemos o que é o medo. Medo não é pânico. O medo os coloca em alerta,
o pânico nos petrifica. A pessoa que diz que não tem medo não está em alerta e
por isso corre risco. A coragem pode nos colocar em direção da realização de
nossos sonhos. A coragem nos impele para o alto e nos faz diferenciar sonho de
delírio. Sonho é sempre algo realizável, delírio é sempre algo inatingível; c)
outra característica constitutiva do nosso ser relacional é a flexibilidade.
Ser flexível é saber mudar devido a uma exigência real e isso distancia
flexibilidade de volubilidade, pois esta última reflete a mudança sem
resiliência, isto é, muda-se de acordo os modismos e, portanto a mudança é
superficial. Uma das tentativas de conceituar o homem pela filosofia foi feita
pelo filósofo Pascal e ele diz: “O homem
é um caniço agitado pelo vento.” Essa definição parece estar próxima de
volubilidade e não de flexibilidade. Pois o ser volúvel é ser inconstante e
instável; d) A partir da reflexão da flexibilidade pode-se agora pensar sobre a
questão do hábito. Aristóteles (séc. IV a.C.), afirmava que a excelência se
conquistava através do hábito. A repetição nos leva a virtude. Será? Devemos
por vezes, duvidar da força do hábito no sentido de que ele nos acomoda, nos
deixa sempre do mesmo modo, isto é, nos impede de mudar. Neste caso deve-se
perguntar se o hábito é competência ou imobilidade? Não é fácil, portanto,
desabituar com aquilo que nos parece por demasia confortante, mas às vezes é
necessário deixar nossos velhos hábitos e sermos ávidos em procurar traços
novos para nossa existência; e) por último (último aqui não deve ser entendido
como algo que finde a formação humana, apenas está sendo utilizado como forma
didática de dizer último) deve-se buscar sempre a melhoria da comunicação. Em
primeiro lugar deve-se desapegar do velho esquema de comunicação:
emissor-mensagem-receptor. Este esquema é retrogrado e por ser retrogrado é não
funcional. A comunicação contemporânea não é tripartite como esta apresentada
acima, mas sim uma comunicação por vezes não mais relacional em que se recebem
informações por diferentes meios e por vezes são muito mais eficazes. A
comunicação é global e as pessoas interagem simultaneamente com diversas
fontes. Parece que, devido a diversas facetas comunicativas, há um
desentendimento na hora de realizar a comunicação, o que não é verdade. Às
vezes, por exemplo, um produto é vendido a um consumidor sem que
necessariamente haja o próprio conhecimento entre prestador de serviço e
consumidor. Isso corre devido aos diversos instrumentos que temos hoje no tecido
de nossas relações.
Mas
tudo isso colocado sobre a comunicação, sugere que nós devamos tomar certo
cuidado na utilização dos meios de comunicação. A má utilização dos diversos
utensílios que estão à-mão pode levar o que denominamos aqui de cultura da distração.
Mas o que é de fato cultura de distração? Como ela se apresenta em nosso
cotidiano? Devido a uma gama de atrativos postos à-mão, isto é, dispostos
prontamente para o uso e de fácil acesso, muitas pessoas caem em profunda
distração em relação a si mesmo e ao outro. Um bom exemplo disso é a figura de
um aparelho celular moderno que como dispositivo de comunicação agrega em si
muitos aplicativos que interagem simultaneamente levando o ‘condutor’ de tal
dispositivo a uma distração crônica distanciando-se do outro. Esse
distanciamento leva o ser, que é sempre ser-com, ‘agir’ com indiferença ao
outro e, portanto não considerando ‘o
outro como legítimo outro’ como bem ensinou Maturana em sua obra Emoções e
Linguagem na Educação e na Política.
Neste
sentido, com demasiada distração somado a sua consequência, isto é, a
indiferença, o ser humano vai perdendo seu caráter mais fundamental que
exatamente a característica de ser-com. Ser-com, assim, é praticar muito mais
que a empatia, já descrita acima. Ser-com é se colocar em disposição como
cuidado com o outro. Só quando praticamos o cuidado com o outro é que podemos
manter um alto nível de relacionamento nas vivências cotidianas.
Em
fim, quando tratamos de relação interpessoal no trabalho, devemos prestar
atenção que o trabalho é sempre uma ação social. Uma ação social sempre
pressupõe um arcabouço ético. Devemos atentar que a malha ética a qual estamos
inseridos é sempre marcada pela força que o público exerce sobre a ipseidade
humana e vice-versa. Nas vivências para além da ética, devemos prestar atenção
que o outro se apresenta com características genuinamente pessoais muitas vezes
diferentes das nossas e nesse caso devemos aprender a lidar com essas
características sem que haja o confronto. Lembrando que confronto se difere de
conflito. Confronto é a tentativa de anular o outro, já o conflito é o começo
para a resolução de problemas, de busca para o crescimento de todos. Então o
correto é não julgar como o outro se apresenta, mas tentar, através do autoconhecimento,
melhorar nossa postura na cotidianidade. O autoconhecimento neste caso não é
apenas saber quem sou eu (fecho de psique),
mas é a busca de lapidar aquilo que sou constantemente.
É
importante se dar conta que esse autoconhecimento se dá em meio a uma
desenfreada distração da pessoa, já que esta vive submergida entre vários
aparatos familiares e sempre à-mão. Essa distração, se não controlada, levará a
pessoa a uma indiferença, perdendo assim o seu caráter mais essencial de ser,
qual seja, o cuidado. Assim levemos em consideração esse princípio: “não deixe
que o TER te TENHA” ou ainda, mais filosoficamente falando “Faz parte da
autenticidade humana não fazer a si mesmo nem o outro de coisa (DING), de instrumento (Zeug).”