terça-feira, 19 de julho de 2016

A FACA E A SINFONIA

A FACA E A SINFONIA

Eis que o reino criado pelos deuses era sinônimo de contemplação e mistério.
As sementes germinavam na mata virgem.
Os rios se deliciavam montanha abaixo e, desviando de precipícios, formavam as mais ávidas correntezas.
Tudo estava pronto, mundo feito, mundo perfeito.
Abaixo o tártaro, acima o céu e mesmo o colapso das tempestades eram sinônimo de harmonia e perfeição.
Mas eis que uma centelha divina infestou o coração de uma criatura ereta.
E esse portador da brasa ardente da centelha divina
Sentiu seu coração pulsar e não aceitou mais a dádiva numinosa e pôs-se frenético a atacar o todo.
Despedaçou o mistério; sucumbiu a serenidade de dias até agora cintilantes de luminosidade.
E quando então suas mãos já não bastavam para o ataque criou a faca, criou a manualidade, criou a instrumentalidade, criou a técnica, criou a destruição...
Faca de dois gumes, pontiaguda, enferrujada, cheia de sangue...
Mas o mesmo portador da centelha, vendo a barbárie nas entranhas do mundo e num gesto de arrependimento e de pedido de perdão às divindades, criou a arte, o poema, a literatura, a filosofia, criou música, criou dança, criou sinfonia... Sim! Tudo isso são pedaços da transcendência inteira daquele que fora criado.
Transcendência? Sim! Só há transcendência porque feito do húmus (humano) mais rico da terra, este precisa devolver o que ora, por agressão, tomaste do mundo. Sem estes pedaços da transcendência, estes feitos de húmus, jamais podem alcançá-la em plenitude.
Eis que surge então uma batalha venenosa entre os líderes da técnica, os manipuladores de faca e aqueles que criam sinfonias. Ó discurso infame quando atacam a arte! Ó aberração impiedosa quando investem em parafusos e não constroem teatros! Ó engenhosa maldade quando os números são mais importantes do que a partitura!
Eis a pergunta aos mais poderosos deuses: Abençoai a faca e amaldiçoai a sinfonia ou abri a mente do que fora criado para dizer que o mundo é sinfonia e que a faca é pura destruição.

Eu? Eu fico com a SINFONIA! Fico com a HARMONIA! Fico com a TRANSCENDÊNCIA...

quarta-feira, 13 de julho de 2016

O QUE DIZ UM PONTO FINAL?

A alegria era melancólica, ou talvez fosse ao contrário, era uma melancolia alegre. Mas... Não importa esse vice-versa, não importa essa roda viva da vida, esse rodopiar do tempo. Parecia que agora os ares eram outros e o crepúsculo daquele dia era sinônimo disso. O ciclo tinha um fecho, as bordas estancaram e por isso mesmo não transbordaram mais. Até as ataduras do moralismo que pareciam ter sido enterradas, voltaram em forma de frase. A frase estava cheia dessas sentenças prontas que são ditas em dias de flagrante. Antes da frase era apenas um ponto. Ponto final e ponto! Ponto final e pronto! Quem dera ele tivesse lido o ponto. Claro! Um ponto é um texto! Um ponto é uma mensagem! Um ponto é um sinal! Um ponto é uma cicatriz! Um ponto é uma marca! Sim, ele não entendeu o ponto, o ponto final... Insistiu em exclamar sem frase e claro, quão ingênua é a inteligência dos que não sabem ler, melhor, dos que não sabem escrever, pois o que é uma exclamação sem frase? É nada! E vejam: mesmo quando colocado depois do ‘é nada’ um ponto de exclamação quer dizer muita coisa. Mas quem mandou usar um ponto de exclamação sem frase? Quem mandou achar que um ponto de exclamação tinha a mesma força de um ponto final? Quanta insanidade há naqueles que não sabem usar e nem entendem a linguagem, mesmo que não sejam frases, mesmo que sejam somente pontos. É... Contra o ponto final não se acha respostas, nem reticências adianta.