quinta-feira, 9 de junho de 2016

DE REPENTE UM AÍ

DE REPENTE UM AÍ
Ezildo Antunes[1]

         Estavam eles tão passivamente dispersos e distraídos com o ato do Criador e eis que de repente surge uma voz inebriante e sagaz que disse:
__ Coma deste fruto!
         De início, a mulher disse, não!  E retrucou: __ Estamos em total conforto e abundância do todo. Não carecemos desta fruta!
         Mas a voz insistiu:
___ Comais já deste fruto e sentirás que o seu humor vítreo te esconde algo muito mais sublime do que agora vês.
         A mulher, então, em sua cuidadosa intuição e perspicaz desejo indagou:
___ Algo mais sublime? O que pode ser mais sublime do que a doçura da obediência e a certeza da vida?
         A voz investiu de vez - pois quando se pergunta por algo é dado o primeiro passo pelo interesse completo!
___ Doçura?! Você mulher não sabe mesmo de doçura! O doce dessa fruta contém o doce mais saboroso de todos os sabores dos doces.
         A mulher impetuosa e com a curiosidade exalando, com a pele inteira enrubescida esticou as veias dos braços e num ato quase encantado, com as duas mãos estendidas tomou para si aquela fruta e usando mesmo seus sentidos, sentidos perfeitos do criador, fez estalar os dentes naquela fruta maçuda, naquela fruta carnuda, foi quase um ato de amor.
         O homem por sua vez estava ali extasiado, bem descompromissado, nu sem ter o que fazer. Mas de repente em um toque, sentiu a mulher chegar e quando ele pôs-se a olhar, olhou-a bem diferente, com aquela fruta nos dentes mordia cada vez mais, e sem perguntar por nada, se viu por ela abraçado, quisera ter recusado, mas tempo não dava mais. Então também desejoso, talvez até corajoso mordeu a fruta de fato. Sentiu o doce sabor, contava as mastigadas e a mulher nele abraçada dizia somos um par.
         Então queriam mais fruta, mas a voz que era astuta disse daquela já não tem mais. De fato não tinha mesmo, pois bastava uma delas, era fato consumado e os dois desconfiados viram algo diferente, seus rostos estavam quentes, sentiram o húmus da terra e como se numa guerra sentiram tanta vergonha, mas claro ninguém se oponha, pois nesta cena medonha eis que de repente um aí.




[1] É Professor, Filósofo, Especialista em Educação e Mestrando em Filosofia.

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