sexta-feira, 3 de abril de 2020

POR UMA MAIÊUTICA AO CONTRÁRIO

Demorou, mas chegou o tempo!
Qual?
O tempo em que devemos praticar (por força maior) uma maiêutica ao contrário.
__ O quê?
__ Explico!
"Tenho isso em comum com as parteiras: sou estéril de sabedoria; e aquilo que há anos muitos censuraram em mim, que interrogo os outros, mas nunca respondo por mim porque não tenho pensamentos sábios a expor..."
As linhas destacadas acima são, segundo Platão, palavras de Sócrates (Teeteto, 15c), onde compara seus ensinamentos (seu método) à arte das parteiras.
Obviamente Sócrates é o parteiro de ideias - dos outros - Ele pergunta! Ele interroga! Expõe sempre o outro! E, de forma sagaz, demonstra o erro dos outros e ainda usa seu ímpeto mordaz para ironizar e tentar colocar seu interlocutor em situação ridícula.
Mas isso era naquele tempo! E hoje?
Nós, nesse tempo transitório, caótico, incerto... tendemos ser aquele Sócrates mordaz nas palavras. Praticamos a (eu)tica (se é que me entende!?).
Apontamos o dedo. Criticamos. Duelamos. Polemizamos. Ferimos. Polarizamos. Soltamos palavras ao vento... É sempre o outro o culpado, o errado, o imbecil, o inculto, o impróprio, o idiota, o incauto...
Já está mais que na hora (e um minúsculo organismo está forçando para isso) de realizarmos uma maiêutica ao contrário, isto é, este é o momento em que devemos parar de desviar-nos do nosso próprio rosto.
Quem dera seguíssemos não a (eu)tica, mas sim a primeira lição do velho Sócrates. Aquela que ele mesmo aprendeu com o oráculo: "Conhece-te!"
O autoconhecimento não é um tema do modismo coach do nosso tempo! Ele é bem mais antigo e profundo. É um convite necessário do Eu.
Ou ainda...
Seria melhor imitarmos o velho Sócrates quando disse (segundo Platão): "Uma vida não examinada, não merece ser vivida." (Platão, Apologia, 38 a).
Isso não é uma lei moral, isto é, que alguém te empurra 'guela' abaixo. Nem está expressa em preceitos de fetichismo religioso. Isso deve ser uma apelo de sua própria consciência. É como aquele apelo da "voz" da consciência que, segundo Heidegger (§ 55 de Ser e Tempo) deve ser realizada pelo próprio ente (ser-aí) de existência, isto é, por cada um de nós. Não é um mero tribunal do eu como se a consciência se apossasse de uma voz, ou seja, deve ser sem mediação, visto que "só é atingido pelo apelo quem quer recuperar-se." (p. 350).
É isso a maiêutica ao contrário! Em um tempo de ruídos, de falação... É hora de recuperar os sentidos, perguntar-se pelo sentido e dar novos sentidos à nossa existência.
Se isso não for possível, pelo menos, fique então com a terceira máxima socrática: "...ele não sabe nada e pensa que sabe alguma coisa. Eu não sei e nem penso que sei alguma coisa. Parece que tenho uma ligeira vantagem sobre ele..." (Platão, Apologia).
Maiêutica ao contrário é isso:
1. Conhece-te;
2. Examine (escute o apelo da voz da consciência)
3. Não fique achando que sabe.

(Ezildo Antunes - Esp. em Educação e Me. em Filosofia)

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